quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Deus Misericórdia

Ao titular seu primeiro livro com a expressão O nome de Deus é misericórdia, tem-se a impressão de que o papa Francisco estaria sugerindo a ideia da existência de um Deus diferente, impessoal, não atrelado ao conceito de pessoa adotada pela Teologia do Cristianismo, caracterizando um Deus feito à imagem do ser humano, onde se sentiria  enclausurado e limitado, exprimido entre virtudes e defeitos próprios do ser humano.
 Para Francisco, essa Misericórdia não seria nada mais do que o Espírito de Deus agindo em função da vivificação do Universo do qual fazem parte todos os seres existentes.  Seria o Espirito de Deus, com frequência, assim descrito no Antigo Testamento que, a parir do final do século IV, os exegetas transformaram na terceira pessoa da Trindade, incrustrada no Credo Niceno-Constantinopolitano pelo I Concilio de Constantinopla (381) convocado, sob forma cesaroopapista, pelo imperador Teodósio I cujas intenções pouco ou nada tinham a ver a fé.
Foi a partir dai que se começou a rezar - “Creio no Espirito Santo, Senhor que dá a vida que procede do Pai e do Filho, e como o pai e o Filho é adorado e glorificado”. Essa fórmula é contestada, em parte, pela Igreja Ortodoxa Oriental que não aceita o termo “Filioque” com relação ao Espirito Santo. Observe-se que não se diz “Creio no Deus Espírito Santo, como não se reza creio em Deus Filho, ensejando interpretação menos contestável.
 A expressão “senhor que dá a vida” atribuída ao Espírito santo, de certa forma, circunda a possível intenção do papa identificando o “dar a vida’’ como ação da Misericórdia divina em que vida e misericórdia se confundem.
Seria a presença real de Deus no Universo que Humberto Rohden (*) identifica como um misterioso ALGO que as diversas crenças materializam em Cristo, Buda, Tau, Brahman e outros nomes simbólicos. Pergunta Rohden: “E que outra coisa seria esse misterioso ALGO senão a própria VIDA universal enquanto sentida pelo homem individual?”
Seria esse o Santo Espírito, que Francisco pretenderia retornar a sua concepção bíblica original, proclamando-o como a Misericórdia que se confunde com a própria divindade agindo em função da vivificação do Universo, o que circundaria a condenada teoria do filósofo Espinosa do “Deus, sive Natura”.
A atitude do papa seria o reconhecimento de que as verdades definidas em determinadas épocas, podem ser revistas à luz de novas concepções respaldadas, inclusive, pela Ciência, adaptando-se às exigências de uma sã modernidade.
Não foi diferente, quando o Concilio de Constantinopla, contrariando eminentes teólogos, forçou a inclusão de textos no Credo, condenando e exilando os opositores que não deixaram de ser cristãos pelo fato de discordarem. Na época, as circunstâncias assim conduziram os fatos. Hoje, as circunstâncias mudaram exigindo nova linguagem de interpretação e, inclusive, em determinados casos, mudança de conceitos.
Recorra-se aqui ao filósofo Ortega y Gasset (1883-1955) com a teoria do “Eu sou eu e minha circunstância”. As circunstâncias mudam no decorrer do tempo levando à procura de novas formas de expressar as verdades sem significar, necessariamente, sua negação.
Fazendo honra à proverbial prudência da Igreja, seus dirigentes deveriam se abster de dogmatizar verdades, ou pseudo-verdades, em fórmulas e interpretações que possam vir a ser postas em dúvida ou contestadas em futuras circunstâncias. Sabiamente, seguir o conselho do próprio Ortega, respaldando a teoria da dúvida universal de René Descartes: “Se ensinares, ensina ao mesmo tempo a duvidar daquilo que estás a ensinar.” Com essa atitude, por via indireta, preservariam inclusive a mal interpretada infalibilidade. Quem duvidaria da infalibilidade do papa Francisco posta em termos da busca da Verdade, sem pretender definir e impor qualquer verdade?
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(*) Rohden, Humberto, Roteiro cósmico 6ª edição, São Paulo: Martin Claret Ltda,   pg. 45.

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