Ao titular seu primeiro livro com a expressão O nome de Deus é misericórdia, tem-se a impressão de que o papa
Francisco estaria sugerindo a ideia da existência de um Deus diferente,
impessoal, não atrelado ao conceito de pessoa adotada pela Teologia do
Cristianismo, caracterizando um Deus feito à imagem do ser humano, onde se
sentiria enclausurado e limitado, exprimido
entre virtudes e defeitos próprios do ser humano.
Para Francisco, essa
Misericórdia não seria nada mais do que o Espírito de Deus agindo em função da
vivificação do Universo do qual fazem parte todos os seres existentes. Seria o Espirito de Deus, com frequência, assim
descrito no Antigo Testamento que, a parir do final do século IV, os exegetas
transformaram na terceira pessoa da Trindade, incrustrada no Credo Niceno-Constantinopolitano
pelo I Concilio de Constantinopla (381) convocado, sob forma cesaroopapista, pelo
imperador Teodósio I cujas intenções pouco ou nada tinham a ver a fé.
Foi a partir dai que se começou a rezar - “Creio no Espirito Santo,
Senhor que dá a vida que procede do Pai e do Filho, e como o pai e o Filho é
adorado e glorificado”. Essa fórmula é contestada, em parte, pela Igreja
Ortodoxa Oriental que não aceita o termo “Filioque” com relação ao Espirito
Santo. Observe-se que não se diz “Creio no Deus
Espírito Santo, como não se reza creio em Deus
Filho, ensejando interpretação menos contestável.
A expressão “senhor que dá a
vida” atribuída ao Espírito santo, de certa forma, circunda a possível intenção
do papa identificando o “dar a vida’’ como ação da Misericórdia divina em que
vida e misericórdia se confundem.
Seria a presença real de Deus no Universo que Humberto Rohden (*)
identifica como um misterioso ALGO que as diversas crenças materializam em Cristo,
Buda, Tau, Brahman e outros nomes simbólicos. Pergunta Rohden: “E que outra
coisa seria esse misterioso ALGO senão a própria VIDA universal enquanto
sentida pelo homem individual?”
Seria esse o Santo Espírito, que Francisco pretenderia retornar a sua
concepção bíblica original, proclamando-o como a Misericórdia que se confunde
com a própria divindade agindo em função da vivificação do Universo, o que circundaria
a condenada teoria do filósofo Espinosa do “Deus, sive Natura”.
A atitude do papa seria o reconhecimento de que as verdades definidas
em determinadas épocas, podem ser revistas à luz de novas concepções
respaldadas, inclusive, pela Ciência, adaptando-se às exigências de uma sã modernidade.
Não foi diferente, quando o Concilio de Constantinopla, contrariando
eminentes teólogos, forçou a inclusão de textos no Credo, condenando e exilando
os opositores que não deixaram de ser cristãos pelo fato de discordarem. Na
época, as circunstâncias assim conduziram os fatos. Hoje, as circunstâncias
mudaram exigindo nova linguagem de interpretação e, inclusive, em determinados casos,
mudança de conceitos.
Recorra-se aqui ao filósofo Ortega y Gasset (1883-1955) com a teoria do
“Eu sou eu e minha circunstância”. As circunstâncias mudam no decorrer do tempo
levando à procura de novas formas de expressar as verdades sem significar,
necessariamente, sua negação.
Fazendo honra à proverbial prudência da Igreja, seus dirigentes
deveriam se abster de dogmatizar verdades, ou pseudo-verdades, em fórmulas e
interpretações que possam vir a ser postas em dúvida ou contestadas em futuras
circunstâncias. Sabiamente, seguir o
conselho do próprio Ortega, respaldando a teoria da dúvida universal de René
Descartes: “Se ensinares, ensina ao mesmo tempo a duvidar daquilo que estás a
ensinar.” Com essa atitude, por via indireta, preservariam inclusive a mal
interpretada infalibilidade. Quem duvidaria da infalibilidade do papa Francisco
posta em termos da busca da Verdade, sem pretender definir e impor qualquer
verdade?
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(*) Rohden, Humberto, Roteiro cósmico 6ª edição, São Paulo: Martin
Claret Ltda, pg. 45.
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