sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
Francisco, Lutero, Maomé
Para observador atento não é difícil ver na anunciada visita do papa Francisco à Suécia um oculto simbolismo com relação aos questionados pronunciamentos do pontífice sobre determinados temas que vem incomodando a ala conservadora da Igreja.
A igreja cristã dominante na Suécia é o luteranismo implantado na metade do século XVI pela rei Gustavo I que rompeu relações com a Igreja Romana. Talvez seja a ala do protestantismo mais fiel ao pensamento do frade alemão Martinho Lutero ao se contrapor à Igreja Romana no início do século XVI com a fixação das 95 teses na porta da igreja de Wittenberg.
Vê-se nítido simbolismo ao se colocar em paralelo os posicionamentos do atual papa sobe temas polêmicos e a realidade da Igreja Luterana da Suécia.
A Igreja Luterana na Suécia é uma instituição que trilha o caminho da modernidade, sob regime eminentemente democrático. É atualmente dirigida por uma mulher, Antje Jackelén. Admite a ordenação de mulheres sem qualquer discriminação sexual. São consagrados bispos assumidamente gays sem causar qualquer estranheza entre os fieis.
A visita do papa acontece durante as comemorações do 500º aniversário da Reforma Protestante. Segundo noticiado pelo Vaticano, o papa tem a intenção de participar de cerimônia comemorativa do evento, com a participação da Igreja Católica e da Federação Luterana Mundial, a ser realizada em Lund no sul da Suécia, sede do arcebispado da Escandinávia e a que está subordinada a arquidiocese da Suécia. Nessa cidade localiza-se a Universidade de Lund, uma das mais importantes do mundo, centro irradiador da milenar cultura dos povos escandinavos.
A Escandinávia abrange a Dinamarca, a Suécia e a Noruega onde, 88,7% dos habitantes pratica o luteranismo e, apenas, 3% são católicos.
Vai-se ver o papa Francisco comungando com fiéis de uma facção cristã há quatro séculos condenada por Roma por meio de um dos mais importantes e longos concílios ecumênicos do Cristianismo, o Tridentino que, em vez de se reunir para meditar sobre possíveis erros apontados por Lutero, ateve-se, apenas, a condenar sem qualquer discriminação, não separando possível joio do trigo.
Há de se imaginar o alvoroço que a visita vai provocar nos mofados subterrâneos do Vaticano. Que se cuide Francisco para garantir seu retorno a Roma contra possíveis artimanhas de ocultos inimigos prontos a garantir, a qualquer preço, seus conquistados privilégios.
Viajando fora do tempo, imagine-se o papa Francisco e Martinho Lutero sentados a uma mesa redonda, revisando as 94 teses, antes de serem afixadas na porta da Igreja! A reforma teria acontecido de outra forma, sem o desagregador apelido de protestante.
As últimas ações de Francisco em direção ao Judaísmo e, agora, ao Luteranismo, indicam a tentativa de juntar cacos com a intenção de restabelecer a unidade na fé. É bom não esquecer, que a Igreja Romana é, também, um dos cacos e que precisa quebrar seus tabus para permitir a recomposição da unidade para que não se reduza a uma simples colagem de intenções. Uma unidade que não exclua a diversidade, respeitando as mil formas de a humanidade procurar e descobrir a Divindade para com ela se encontrar.
O mundo ocidental está procurando o caminho das armas para combater o terrorismo oriental. Não demora Francisco vai se sentar à mesa com Maomé para discutir o assunto em busca de uma saída que implique o respeito mútuo. “Não existe outra via para a solidariedade humana senão a procura e o respeito da dignidade individual” (Pierre Lecomte Du Nouy).
BSB, 26 de janeiro de 2016.
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