quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Professor Otacílio Nunes

Surgiu a dúvida sobre a verdadeira identidade do Otacílio Nunes, salesiano que morreu heroicamente no naufrágio da Barca Sétima em 1915 na Baia da Guanabara tentando salvar alunos se afogando, se era clérigo ou coadjutor. Por ocasião do encontro Redex de Niterói publiquei no Boletim matéria sobre o tema em que afirmei que era clérigo, baseado em blog Frag wiki que diz: “... morreram [no naufrágio] 27 estudantes e um seminarista, o professor Otacílio Nunes”. Diante do termo seminarista, deduzi que seria clérigo. Nosso pesquisador Fiório me escreveu, pedindo explicação, questionando tal afirmação. O fez com base no testemunho do sobrinho de Otacílio, o padre salesiano João Bosco Nunes, filho de uma irmã do herói, do qual ouvira que o tio era irmão coadjutor. Em todos os comentários, após o naufrágio da Barca Sétima, sempre é citado como Professor Otacílio Nunes, sem menção a sua condição de salesiano. Fica a conclusão irrefutável do Fiório. Era coadjutor. Resolvida a pendência, vem-me à mente outra dúvida que merece ser pesquisada e esclarecida. Por que cargas d’água Otacílio não teria sido admitido ao sacerdócio, desde que qualidades para tanto não faltavam? Não teria ele saído de Lorena para o Colégio Santa Rosa de Niterói com a intenção de se fazer sacerdote e, consequentemente, ter ingressado como seminarista passando depois a ser coadjutor? Poderia ser impertinente tal duvida não fossem algumas circunstâncias a serem analisadas. Otacílio Nunes era negro. Tal situação é comprovada pelas fotografias publicadas após sua morte na Barca Sétima, fato confirmado, inclusive, pela cor da pele de seu sobrinho, padre João Bosco que era bem escura. Pelo que consta, seus parentes espalhados pelo Estado de São Paulo são de origem africana. Juntando tais circunstâncias ao arraigado preconceito contra os negros trazido da cultura italiana para o Brasil, inclusive, pelos salesianos, a dúvida faz sentido. Ainda que de forma velada mas de fácil constatação, tal preconceito vigorou por muito tempo. Consultando as crônicas salesianas, é fácil constatar quantos foram e são coadjutores tendo contrariada a pretensão de serem sacerdotes em função da cor da pele! A reboque, vem outra dúvida. E o padre João Bosco Nunes, como teria driblado as ditas circunstâncias e chegado ao sacerdócio, se era negro? Fazendo suposições, pois, ninguém há de dizer a possível verdade, quem sabe, teria sido um passageiro e fátuo lampejo de um iluminado superior, salpicado de remorso, como forma de reparar e homenagear seu tio a quem, por acaso, fora negada a honra do sacerdócio! Digo passageiro e fátuo lampejo, pois, na mesma época da ordenação de João Bosco Nunes, outro eminente salesiano sofria as consequências do mesmo preconceito sendo-lhe negada a pretensão de se tornar sacerdote. Está-se falando de Walmor Muniz, do qual já tratei em outra matéria publicada no Boletim Redex, sem citar o nome em respeito sua atitude sempre muito reservada sobre o acontecido. Tive a oportunidade de trabalhar em sua companhia no Colégio Santa Rosa de Niterói durante 7 anos. Durante esse tempo, jamais ouvi dele uma palavra sequer se queixando e lamentando o ocorrido. De idade quase centenária, Walmor dedicou toda sua vida como coadjutor salesiano prestando mil serviços à Congregação Salesiana em vários colégios. Só em Niterói, lá se vai mais de meio século de intensas atividades. Suas qualidades são tantas a serem comparadas e, quem sabe , sobrepujando às do Otacílio Nunes pelo tempo que em que viveu e ainda vive. Na pele da cor do precioso ébano das florestas africanas, Walmor Muniz é frondoso jequitibá plantado em terras brasileiros acolhendo milhares de brasileiros passando por sua cátedra aprendendo cidadania de um educador de escol. “Noite ilustrada” foi o mais merecido e glorioso epíteto que seus alunos lhe atribuíram pela sabedoria de seus ensinamentos em diversas áreas do saber. Walmor merece, ainda que na informalidade, o título honoris causa de “sacerdos in aeternum secundum ordinem Melchisedec” que sempre soube exercer à margem da sacramental ordenação. Walmor, as mais calorosas ovações de quem sempre o admirou, ainda que silenciosamente. Observe-se que, às vezes, a sorte é madrasta na condução dos acontecimentos. Não se sabe se por coincidência ou determinação do destino, enquanto o professor Otacílio Nunes foi colhido pela tragédia do naufrágio da Barca Sétima, seu sobrinho padre João Bosco Nunes foi surpreendido por outra tragédia, provocada por trágico e fatal acidente de carro em Brasília, na Via Estrutural, voltando para casa da Faculdade Católica de Brasília onde trabalhava. BSB, 15 de novembro de 2015.

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