Trinidade

Para quem acredita no Mistério da Santíssima Trindade, definido como dogma de Fé proclamado pela Igreja desde os primeiros concílios do Cristianismo constituindo-se no fundamento de todo o arcabouço teológico e litúrgico da fé cristã, deve causar estranheza e, porque não, perplexidade a representação da Santíssima Trindade que encima o altar mor do Santuário do Divino Pai Eterno localizado na cidade de Trindade no estado de Goiás. No centro da figuração, a imagem de inocente donzela aparentando seus 15 ou dezesseis anos de idade, sendo pageada coroada pelas demais personalidades: a sua direita, o Filho de barba negra, aparentando seus 33 anos, à esquerda o Pai Eterno, bem envelhecido, de barba grisalha, e acima o Espírito Santo representado pela tradicional pomba de asas abertas. Não encontrei explicações para tal inusitada representação, ainda que se tenha notícia de tentativas na história do Cristianismo de incluir Maria na Santíssima Trindade. Certamente, existem piedosas motivações para tal fato que, porém, não justificariam insinuar aos fieis menos afeitos a análises mais profundas, a existência de uma quarta pessoa no dourado trono da eternidade quebrando a milenar tradição escrita no Símbolo Niceno-Constantinopolitano onde o nome da mãe de Jesus aparece, apenas, casualmente, para indicar o nascimento do Salvador. Os padres da Congregação Lazarista, responsáveis pela administração do Santuário, encetam campanha, com abaixo assinado, no sentido de trazer o papa Francisco para uma visita ao local cuja devoção ao Pai eterno constitui-se no segundo maior movimento religioso do Brasil, perdendo apenas para o de Nossa Senhora Aparecida, em Aparecida do Norte -SP, onde Maria coloca o Pai Eterno e as demais pessoas da Trindade em segundo plano. Certamente, haveria expectativa sobre a reação do papa ao se deparar com o quadro representativo do padroado do santuário composto por quatro pessoas que, deduz-se pela lógica, seriam igualmente eternas. Por diversas vezes Francisco já demonstrou sua fidelidade e respeito aos dogmas já estabelecidos pelo Cristianismo para aceitar, ainda que tacitamente, uma mudança tão significativa no maior dos mistérios com a inclusão de uma quarta pessoa no trono rodeado de mil anjos e santos. Há analistas mais argutos que conseguem ver em Francisco, apenas, a vontade de mudar alguns dogmas que não se adaptam à razão. Mexer na poderosíssima Trindade, admitindo uma quarta pessoa, certamente, não estaria em seus planos. Ao tomar conhecimento do fato, para não correr o risco de qualquer referência ou reverência que possa coloca-lo em maus lençóis perante os que prefeririam vê-lo pelas costas, a exemplo de quando disse que “a dúvida faz parte da fé, o mais provável é que Francisco, confirmando sua proverbial prudência, venha a declinar do convite para visitar o santuário. Se Agostinho foi induzido pelo anjo a desistir da tentativa de desvendar o maior dos mistério do Cristianismo, não seremos nós a questioná-lo pretendendo negá-lo ou, mesmo, afirma-lo. Para um bom crente, o que importa, porém, é reconhecer a necessária existência de Deus a ponto de concluir com o irreverente, mas sábio, iluminista Frnçois Marie Arouet, prudentemente, disfarçado de Voltaire: “Se Deus não existisse, seria necessário inventa-lo”. Longe, porém, a preocupação de defini-lo, como pretendem os sábios exegetas que só conseguem mascara-lo sob formas e características de seres estranhos, inclusive, sob imagens ridicularizantes, a exemplo de um velho barbudo, decrépito, descansando assentado entre as almofadas de um trono, o símbolo do efêmero poder temporal. Quanta irracionalidade esparramada em milenar literatura tentando explicar o inexplicável pela, ainda, limitada inteligência humana, não cabem explicações. É a pretensão de um limitado ser definir algo ilimitado, infinito. “Vanitas vanitatis” diria aos exegetas, pisando a areia movediça da praia, o Eclesiastes pela boca do anjinho(*) do bispo de Hipona. ¬¬¬__________________________________________ (*) Digo anjinho porque anjo adulto não estaria brincando de cavar buraco e fazendo castelos de areia. BSB, 11 de fevereiro de 2016.