segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Anjos



É hora de acabar com a esdrúxula ideia da existência real de Lúcifer, Diabo, Demônio, capeta e mil outros denominativos, inclusive de anjos em geral. Vasculhe-se a fantástica miologia cristã, herdada do judaísmo, descrita no Antigo Testamento, referendada pelo Novo Testamento.  Não se encontra, em momento algum, que o Senhor, Criador de todas as coisas, durante sete dias, teria criado os anjos.  Nos dois primeiros capítulos de Gênesis, com descrição tão minuciosa dos sete dias da criação, nem vestígio de Deus criando puros espíritos para, futuramente, ajudá-lo a governar o Universo. Anjos bons e maus vão aparecendo, durante a narrativa bíblica, sem dar sinais de sua procedência, a não ser enviados por Deus. O primeiro a aparecer, encarnado em inocente ofídio, lá no Eden, para seduzir o casal encarregado de cuidar do Jardim, cujo nome nem sequer é mencionado, apenas como serpente, injustamente amaldiçoada, às vezes até abençoada, no decorrer da mitologia. Para justificar inúmeras aparições no contexto da História Bíblica, o Cristianismo inventou a mirabolante história da luta de um tal de Lúcifer contra o Criador pretendendo assentar-se no trono do Altíssimo. A espada de um certo Miguel Arcanjo, lugar tenente da  Divindade, dividiu o reino em duas metades, anjos maus e anjos bons. Anjos maus, para azucrinar a humanidade sobre a Terra, e anjos bons, como mensageiros da Divindade, levados por supérfluas asas.
Se não há como explicar a origem de tais seres, puros espíritos,
como criaturas reais, há de se procurar outros caminhos. Numa concepção mais afeita à racionalidade, palatável a um pensamento menos mitológico, porque não traduzir tais seres como bons ou maus pensamentos, a induzir os seres humanos a praticar boas ou mas ações? Nesse sentido, Jesus, ao pregar o Evangelho, semeou centenas de anjos bons para orientar os crentes para o bem. Maus pensamentos, ditos sete demônios, atormentavam Maria Madalena, induzindo-a a comportamentos extravagantes. Ninguém consegue explicar a legião de demônios encarnados na manada de porcos que afundou no mar. O evangelho não conta mas é fácil imaginar Jesus sendo processado pelo dono dos porcos, exigindo reparação pelos prejuízos.
Um exemplo, tirado do Novo Testamento, mais liberto da mitologia,  para indicar quão fátua é a ideia da existência de seres reais, incarnando o bem e o mal, apelidados anjos ou demônios. É ler o evangelho de Mateus (Cap. 1 e 2). Nas três vezes em que José, o esposo de Maria Mãe de Jesus, é orientado de como se portar nas determinadas circunstâncias: no momento em que descobre  que Maria estava grávida, sem seu concurso; quando advertido para fugir para o Egito diante da ameaça de morte do Menino Jesus por Herodes e; a ser-lhe ordenado que voltasse para Nazaré, depois da morte de Herodes, nas três vezes, o evangelista diz  - “... eis que lhe apareceu, em sonho (grifo meu), um anjo...”.  Sonho não é realidade, e fantasia, que, no máximo pode ter algum significado real, segundo explica o pai da Psicanálise Freud, quando bem interpretado. Bons pensamentos guiaram José para suas boas e  providenciais decisões, salvando a sagrada família. Passava o dia pensativo, matutando os problemas comentados na comunidade, e à noite sonhava, acordando com a solução, indicada pelo sonho.
Já imaginaram os bilhões e bilhões de Anjos da Guarda atribuídos a cada criança que nasce? Quando a pessoa morre, seu anjo volta para descomunal depósito esperando nova designação?
Bem fariam os exegetas se dispensassem tantas explicações ocupando o tempo com assuntos mais importantes.
Infelizmente, volta-se ao tema diante do fato de que nenhum pregador sobe ao púlpito com coragem para abrir o jogo, diante de plateias que não têm acesso a literatura mais afeita à realidade.



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