Elizio Nilo Caliman - Brasília
Fui conhecer o médium João Teixeira de Faria, cognominado
João de Deus, em Abadiânia -GO, onde
mantem uma obra que atrai milhares de devotos do Brasil e do exterior. Fui mais
por curiosidade do que pela fé que, segundo o dito popular, transporta
montanhas, além de milhares de crentes que buscam alívios para seus males de
ordem física psicológica.
Não
que não acredite na força da fé que, certamente, é recurso válido para a cura
de inúmeros males de ordem psicossomática sem, necessariamente, atribui-la a intervenção
sobrenatural, sob a etiqueta de milagre de acordo com a interpretação de certas
tendências religiosas.
Interprete-se
o milagre como algo que acontece à revelia da Ciência a que, ainda, não foi
dado conhecer os intrincados segredos da Natureza que são infinitos como infinito
é o Universo onde age, naturalmente, a Divindade que com ele se confunde.
Sem,porém, a necessidade de transgredir as próprias leis da Natureza. Nada de
sobrenatural, portanto, numa realidade concebida em termos de umavisão
autonomia em contraposição a uma heteronomia de dois universos, um sobrenatural
e outro natural. Uma autonomia que conduza à teonomia que significa o encontro
com a Divindade.
É
dentro desse panorama que devem ser inseridos os fatos ditos miraculosos
obrados por intermédio de João de Deus e semelhantes, agindo à sombra do
espiritismo.
As ciências, notadamente a parapsicologia , a
partir do século XVIII, já explicam tais fenômenos como não sobrenaturais. A
maioria do povo, porém, para a qual a Ciência, ainda, não conta como
instrumento acessível em busca da verdade, vai a João de Deus e outros videntes
em busca do tradicional milagre pregado por certas igrejas.
A
força do pensamento, a ser traduzido em fé, é capaz de remover montanhas de
entulhos psicológicos capazes de transformar a vida de um ser humano em um
inferno. Porque, então, não utilizá-lo como forma de libertação de males
espirituais e físicos?
Nesse
sentido, sejam benvindos os João de Deus que, em boa fé, pretendem aliviar
sofrimentos. Parece que o João de Deus em epígrafe tem consciência da realidade
dos fatos quando recomenda, insistentemente, não abandonar a medicina
tradicional, mas associá-la ao floral que prescreve para a cura espiritual.
Em
lá chegando, tive a preocupação de entrar no ritmo imposto para quem adentra o
ambiente. Fiquei sentado na sala de entrada, sem cruzar as pernas e os braços,
durante mais de três horas, à espera de minha vez para passar pelo vidente.
O
respeitoso silêncio de, nos meus cálculos, perto de quatrocentas pessoas que
estiveram presentes era impressionante. De minha posição via através de uma
porta, outro ambiente com dezenas de participantes sentados e imóveis em
profunda meditação. Não havia como não ser convidado à meditação.
As
atividades foram iniciadas com a realização de duas cirurgias, denominadas
espirituais, realizadas pelo João de Deus que pude acompanhar a três metros
de distância: uma intervenção no olho de
um paciente usando como instrumento um simples canivete; outra em uma paciente
sendo-lhe introduzida pelo nariz uma vareta de uns 15 cm envolta em
algodão que, remexida, foi retirada, com
esforço, apesentada ensanguentada aos presentes. Cada intervenção não durou
mais do que uns 10 segundos.
Durante todo o tempo locutora, vez por outra,
convidava à reza do Pai Nosso, Ave Maria e Gloria ao Pai, ao Filho e ao
Espírito Santo, orações tradicionais do cristianismo.
Finalmente, depois da longa espera, foi-me
dado entrar no capela principal para passar pelo vidente. Sentado numa cadeira
simples, rodeado de santos iluminados por refletores, os mesmos empestados das
igrejas católicas, o medium atendia a cada
um com serenidade.
Ao
dar-me a mão fez-me três perguntas: - De onde veio, onde nasceu, qual sua
profissão. A dizer-lhe que era psicólogo e professor aposentado, apenas me
sugeriu: - Sabe por que lhe perguntei a profissão? Ele mesmo respondeu: -“Porque a profissão
indica uma missão”. Esperava algo a mais, mas foi só. Ordenou a sua auxiliar
que me entregasse um livreto intitulado “João de Deus, Fenômeno de Abadiânia”,
e me fez sinal para seguir adiante.
Conduzido
por um auxiliar, fui sentar-me com a recomendação de meditar de olhos fechados,
braços e pernas descruzadas. Durante a meditação, suaves melodias de cantos
religiosos, tradicionais do folclore religioso católico, emolduraram o
ambiente.
Ao
final, em ambiente aberto, no jardim, longa preleção de uma colaboradora dando
os últimos esclarecimentos tais como:
-
Quando atende os pacientes, não é o João que ai está. Encarna um espírito
superior que fala em seu nome. Ao sair do local, não se lembra de nada do que
ouviu, disse ou fez.
-
Quem recebeu receita rabiscada num pedaço de papel (indecifrável ao recebedor),
deverá procurar a farmácia local para comprar o floral de tratamento que durará
70 dias.
-
Não se preocupe se não tiver tido tempo de expor seus problemas ao ter passado
pelo vidente. O sapientíssimo espírito encarnado conhece tudo o que paciente
planejou expor e pedir antes de lá chegar, dispensando sua interferência.
Pensei
não ter recebido a tal receita, por isso não fui à farmácia para adquirir o
remédio. Ao chegar em casa, abrindo o livreto que recebi, lá estava o papelzinho com a receita em rabiscos impossíveis
de serem decifrados. Como, realmente, não tinha a intenção de pedir qualquer
graça, ficou por isso mesmo, na certeza de que o sapientísssimo espírito
encarnado complete sua obra sem o remédio floral que, pelo visto, funciona
apenas como simples placebo.
Perguntei
a um dos colaboradores o significado das duas invasivas intervenções
cirúrgicas. Explicou-me que são cirurgias espirituais que, ao serem dirigidos a
determinados pontos do organismo, atingem outros pontos lesados por males
ocultos.
Quem
visita o local, principalmente ao entrar na livraria lá instalada, ao ver tão
abundante literatura laudatória sobre a vida e obra do médium, tem a sensação
de exagerado culto à sua personalidade. Interprete-se como anseio da natureza
do ser humano sedenta de reconhecimento e, não raro, bajulação. Tal fato,
porém, não deslustra os méritos da obra mantida pelo vidente e seus auxiliares.
Tudo parece indicar a boa fé, tanto do
vidente, como do séquito de colaboradores, trabalhando em beneficio de milhares
de almas sofredoras e carentes, em busca de alívio de seus sofrimentos físicos
e espirituais. A tranquilidade, a gentileza e o constante sorriso nos lábios dos
colaboradores, sem dúvida, parecem refletir tal realidade.
A
caminho de retorno para Brasília, a psicóloga ao volante fez-me retornar à
meditação: - Sair de um ambiente tão confortante, de paz e tranquilidade vivido
em Abadiânia, e ter que enfrentar descomunal engarrafamento no trânsito, a
ponto de perder o horário para atender a um paciente, é o contraste que a vida moderna
pontuada de estresse nos oferece.
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