segunda-feira, 18 de julho de 2016

João de Deus

Elizio Nilo Caliman - Brasília
Fui conhecer o médium João Teixeira de Faria, cognominado João de Deus, em Abadiânia -GO,  onde mantem uma obra que atrai milhares de devotos do Brasil e do exterior. Fui mais por curiosidade do que pela fé que, segundo o dito popular, transporta montanhas, além de milhares de crentes que buscam alívios para seus males de ordem física psicológica.
Não que não acredite na força da fé que, certamente, é recurso válido para a cura de inúmeros males de ordem psicossomática sem, necessariamente, atribui-la a intervenção sobrenatural, sob a etiqueta de milagre de acordo com a interpretação de certas tendências religiosas.  
Interprete-se o milagre como algo que acontece à revelia da Ciência a que, ainda, não foi dado conhecer os intrincados segredos da Natureza que são infinitos como infinito é o Universo onde age, naturalmente, a Divindade que com ele se confunde. Sem,porém, a necessidade de transgredir as próprias leis da Natureza. Nada de sobrenatural, portanto, numa realidade concebida em termos de umavisão autonomia em contraposição a uma heteronomia de dois universos, um sobrenatural e outro natural. Uma autonomia que conduza à teonomia que significa o encontro com a Divindade.
É dentro desse panorama que devem ser inseridos os fatos ditos miraculosos obrados por intermédio de João de Deus e semelhantes, agindo à sombra do espiritismo.
 As ciências, notadamente a parapsicologia , a partir do século XVIII, já explicam tais fenômenos como não sobrenaturais. A maioria do povo, porém, para a qual a Ciência, ainda, não conta como instrumento acessível em busca da verdade, vai a João de Deus e outros videntes em busca do tradicional milagre pregado por certas igrejas.
A força do pensamento, a ser traduzido em fé, é capaz de remover montanhas de entulhos psicológicos capazes de transformar a vida de um ser humano em um inferno. Porque, então, não utilizá-lo como forma de libertação de males espirituais e físicos?
Nesse sentido, sejam benvindos os João de Deus que, em boa fé, pretendem aliviar sofrimentos. Parece que o João de Deus em epígrafe tem consciência da realidade dos fatos quando recomenda, insistentemente, não abandonar a medicina tradicional, mas associá-la ao floral que prescreve para a cura espiritual.
Em lá chegando, tive a preocupação de entrar no ritmo imposto para quem adentra o ambiente. Fiquei sentado na sala de entrada, sem cruzar as pernas e os braços, durante mais de três horas, à espera de minha vez para passar pelo vidente.
O respeitoso silêncio de, nos meus cálculos, perto de quatrocentas pessoas que estiveram presentes era impressionante. De minha posição via através de uma porta, outro ambiente com dezenas de participantes sentados e imóveis em profunda meditação. Não havia como não ser convidado à meditação.
As atividades foram iniciadas com a realização de duas cirurgias, denominadas espirituais, realizadas pelo João de Deus que pude acompanhar a três metros de  distância: uma intervenção no olho de um paciente usando como instrumento um simples canivete; outra em uma paciente sendo-lhe introduzida pelo nariz uma vareta de uns 15 cm envolta em algodão  que, remexida, foi retirada, com esforço, apesentada ensanguentada aos presentes. Cada intervenção não durou mais do que uns 10 segundos.
 Durante todo o tempo locutora, vez por outra, convidava à reza do Pai Nosso, Ave Maria e Gloria ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, orações tradicionais do cristianismo.
 Finalmente, depois da longa espera, foi-me dado entrar no capela principal para passar pelo vidente. Sentado numa cadeira simples, rodeado de santos iluminados por refletores, os mesmos empestados das igrejas católicas, o medium  atendia a cada um com serenidade.
Ao dar-me a mão fez-me três perguntas: - De onde veio, onde nasceu, qual sua profissão. A dizer-lhe que era psicólogo e professor aposentado, apenas me sugeriu: - Sabe por que lhe perguntei a profissão?  Ele mesmo respondeu: -“Porque a profissão indica uma missão”. Esperava algo a mais, mas foi só. Ordenou a sua auxiliar que me entregasse um livreto intitulado “João de Deus, Fenômeno de Abadiânia”, e me fez sinal para seguir adiante.
Conduzido por um auxiliar, fui sentar-me com a recomendação de meditar de olhos fechados, braços e pernas descruzadas. Durante a meditação, suaves melodias de cantos religiosos, tradicionais do folclore religioso católico, emolduraram o ambiente.
Ao final, em ambiente aberto, no jardim, longa preleção de uma colaboradora dando os últimos esclarecimentos tais como:
- Quando atende os pacientes, não é o João que ai está. Encarna um espírito superior que fala em seu nome. Ao sair do local, não se lembra de nada do que ouviu, disse ou fez.
- Quem recebeu receita rabiscada num pedaço de papel (indecifrável ao recebedor), deverá procurar a farmácia local para comprar o floral de tratamento que durará 70 dias.
- Não se preocupe se não tiver tido tempo de expor seus problemas ao ter passado pelo vidente. O sapientíssimo espírito encarnado conhece tudo o que paciente planejou expor e pedir antes de lá chegar, dispensando sua interferência.
Pensei não ter recebido a tal receita, por isso não fui à farmácia para adquirir o remédio. Ao chegar em casa, abrindo o livreto que recebi, lá estava  o papelzinho com a receita em rabiscos impossíveis de serem decifrados. Como, realmente, não tinha a intenção de pedir qualquer graça, ficou por isso mesmo, na certeza de que o sapientísssimo espírito encarnado complete sua obra sem o remédio floral que, pelo visto, funciona apenas como simples placebo.
Perguntei a um dos colaboradores o significado das duas invasivas intervenções cirúrgicas. Explicou-me que são cirurgias espirituais que, ao serem dirigidos a determinados pontos do organismo, atingem outros pontos lesados por males ocultos.
Quem visita o local, principalmente ao entrar na livraria lá instalada, ao ver tão abundante literatura laudatória sobre a vida e obra do médium, tem a sensação de exagerado culto à sua personalidade. Interprete-se como anseio da natureza do ser humano sedenta de reconhecimento e, não raro, bajulação. Tal fato, porém, não deslustra os méritos da obra mantida pelo vidente e seus auxiliares.  Tudo parece indicar a boa fé, tanto do vidente, como do séquito de colaboradores, trabalhando em beneficio de milhares de almas sofredoras e carentes, em busca de alívio de seus sofrimentos físicos e espirituais. A tranquilidade, a gentileza e o constante sorriso nos lábios dos colaboradores, sem dúvida, parecem refletir tal realidade.
A caminho de retorno para Brasília, a psicóloga ao volante fez-me retornar à meditação: - Sair de um ambiente tão confortante, de paz e tranquilidade vivido em Abadiânia, e ter que enfrentar descomunal engarrafamento no trânsito, a ponto de perder o horário para atender a um paciente, é o contraste que a vida moderna pontuada de estresse nos oferece.






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