sábado, 12 de março de 2016

Lutando contra a Natureza

Transcrevo o que recebi via internet para meditação matinal dos que, ainda, tentam justificar a primazia do celibato sobre a união de dois seres na indispensável missão de participar na criação do Universo dando continuidade ao ser capaz de pensar em busca da Verdade. Eis a pitoresca, mas original interpretação. “Vestibular da Universidade da Bahia cobrou dos candidatos a interpretação do seguinte trecho de poema de Camões: 'Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, dor que desatina sem doer '. Uma vestibulanda de 18 anos deu a sua interpretação : 'Ah, Camões!, se vivesses hoje em dia, tomavas uns antipiréticos, uns quantos analgésicos e Prozac para a depressão. Compravas um computador, consultavas a Internet e descobririas que essas dores que sentias, esses calores que te abrasavam, essas mudanças de humor repentinas, esses desatinos sem nexo, não eram feridas de amor, mas somente falta de sexo !' A Vestibulanda ganhou nota DEZ: pela originalidade, pela estruturação dos versos, das rimas insinuantes, e também foi a primeira vez que, ao longo de mais de 500 anos, alguém desconfiou que o problema de Camões era apenas falta de mulher.” O fato, por menos importante que possa parecer, aos olhos desinteressados do assunto, tem um simbolismo a ser levado em conta. As autoridades da Igreja Romana teimam em negar a seus clérigos o direito de exercerem o dom da sexualidade herdado da Natureza. Se o celibato não foi inventado pelo Concilio de Trento, foi a partir dele que tal prática tornou-se obrigatória, com maiores exigências. Sucessivos papas reafirmaram sua obrigatoriedade com admirável empenho a ponto de transformar um simples pensamento, uma furtiva olhadela a uma linda silhueta feminina em pecado mortal. A título de exemplo, cite-se João Paulo II, hoje canonizado. Na prática, sancionou o celibato como dogma de fé, tal foi a ênfase com que o defendeu em seus ensinamentos teóricos. Hoje, porém, vem causando escândalo, a observadores puritanos, o noticiário de que, um papa de tal envergadura intelectual e moral tenha mantido, durante mais de 30 anos, um tórrido romance por meio de mais de 350 cartas com a conterrânea Teresa Tymieniecka, com o agravante de que era casada. Não se pretenda, apressadamente, condenar a atitude de Wojtyla por ter dado vasão à torrencial e avassaladora torrente de Amor que, certamente, enfeitou sua vida. O que escandaliza, porém, é o fato de que, ao ser abrasado pelo mesmo “fogo que arde sem se ver”, o ter-lhe faltado a autenticidade e coerência do apóstolo Paulo que, igualmente abrasado, limitou-se a dizer “que o bispo seja irrepreensível [a ser] esposo de uma só mulher (grifo meu), dando a impressão de que aos demais, sacerdotes e leigos, ser-lhes-ia permitida, inclusive, a poligamia como aprovada ou, pelo menos, tolerada pelo Deus de Abrahão. Com coerência, João Paulo II poderia ter dado um passo à frente na libração da obrigatoriedade do celibato dos clérigos sem qualquer prejuízo para a fé. Não venham apressados interpretes argumentar que tudo não passou de devaneios estéreis, desde que não tenha se consumado a quebra do compromisso por meio de relações sexuais físicas. Por ensinamentos de exegetas mais exigentes, que pretendem acessar o foro intimo da consciência individual, a observância do voto iria além da abstenção de relacionamento sexual físico, posição que fere a dignidade da pessoa humana. Se tal façanha tivesse vindo a público antes, provavelmente, a canonização de João Paulo II teria sido barrada. Bem ou mal, para opiniões diversas, lá está ele resplandecendo no altar como exemplo de virtudes que, certamente, as teve, junto com seus pecados, que não nos cabe julgar.

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